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Vamos começar do começo…


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Primeiro artigo aqui no Vista-se. E confesso que não sei bem sobre o que vou escrever. Bem que eu tentei pedir uma ajuda ao webmaster, como sugestão de pauta, mas ele gentilmente me deu toda a liberdade do mundo pra escrever sobre o que eu quiser.

E aí temos uma boa idéia: o desconforto que a liberdade traz.

Acho que humanos não estão acostumados com essa idéia de liberdade. Desde que nascemos somos acostumados a outras pessoas decidirem coisas por nós. Desde a infância nossas mães definem a papinha que comemos, as fraldas que usamos, o colégio que freqüentamos. Nesse início não vejo muito problema, até porque crianças não têm muito discernimento pra decidir certas coisas (não fosse assim muitos teriam crescido com uma dieta a base de sorvete e batata frita).

O problema surge depois. Com toda essa bagagem, temos toda a liberdade para escolhermos um emprego, um companheiro, uma filiação política, mas temos tantos padrões impostos em nossas mentes que essa liberdade toda acaba viciada por um sistema repetitivo baseado em poucas escolhas – escolhas intimamente ligadas, mesmo não percebendo isso. Há uma influência fortíssima do meio indicando direções que nem sempre são as mais corretas, mas são as mais normais. E o senso de normalidade muitas vezes é um atraso de vida.

Mas, afinal, o que é liberdade? Dar a si mesmo as próprias regras é uma definição comum, mas eu não acredito que seja verdadeira. Escolhas e regras existem e a liberdade normalmente tem a ver com a escolha consciente em aderir ou não a elas, mais do que criar as próprias.

Talvez por isso seja tão chocante para a sociedade, ainda hoje em dia, quando alguém se torna vegetariano ou vegano. Afinal, isso é também uma escolha, mas é uma escolha bem pouco popular. Ou melhor, bem pouco conveniente. Afinal, quem está disposto a abrir mão do churrasco do fim de semana, do cachorro quente da esquina ou do “prazer gastronômico” proporcionado pelas carnes? E por “dó dos bichinhos”, então? E “dar trabalho” para os outros?

Muitas vezes eu me deparo com a afirmação de que existe falta de informação e por isso poucas pessoas aderem ao vegetarianismo. Só o Google retorna 560.000 resultados para a palavra “vegetarianismo”: isso é falta de informação? Estou falando de uma única fonte, de uma única palavra. Há muitas outras como livros, vídeos, troca de experiências. Essa informação pode estar fragmentada, mas ela existe; as pessoas podem se prender a mitos e esquecer de procurar a informação, mas a informação existe.

A segunda afirmação é bem mais realista e costuma vir em forma de uma reflexão rasa que encerra a discussão: “eu acho que você tem razão, mas eu não consigo viver sem carne” (ou ovos, ou leite, dependendo do estilo de alimentação), seguida de uma garfada no bife.

Estou dizendo que isso tem fundamento, a impossibilidade de viver sem algum alimento de origem animal? De maneira alguma! Pelo número de vezes que eu já ouvi essa frase nos meus cerca de 5 anos de vegetarianismo, eu diria mesmo que é um problema de inconsciente coletivo. Essa informação não está pautada em dados, mas em medo de mudança.

Se eu, vegetariana, estou ali na frente, não nasci vegetariana, não tenho nenhum gene especial para o vegetarianismo, tomei essa decisão e sobrevivi, será que o problema real, então, não está na liberdade de escolha pessoal?

É falta de educação recusar comida oferecida pelos outros: vegetarianos vivem fazendo isso, não porque gostem, mas porque seu sistema de valores prioriza outras questões. O animal já morreu mesmo e isso seria desperdício de comida: como se animais fossem realmente comida e não houvesse outra opção no mundo, da qual todas as outras pessoas também desfrutam. Não existiriam tantos bois, porcos e galinhas no mundo se não fosse a pecuária: eu quase me emociono com a bondade dos pecuaristas que forçam a procriação desses animais pra serem tratados como máquinas de produção. Seus amigos vão ridicularizar sua escolha. As coisas sempre foram assim. O churrasco e a pescaria com a família de final de semana podem se tornar um martírio e não diversão. E, finalmente, o bife com batatas fritas da sua mãe é seu prato preferido e você não pode viver sem ele… De novo essa conversa? Pois é, de novo essa conversa, porque tem tanta coisa envolvida em ser vegetariano que é mais fácil ir direto pra esse final, não pensar em mais nada e não ter que encarar todos os questionamentos.

“Eu gosto de carne” é uma saída subjetiva e fácil. De certa maneira, é uma forma de liberdade. Só que as pessoas não pensam sobre isso e esquecem que liberdade tem suas conseqüências e as conseqüências de comer carne podem até ser mais aceitas socialmente, mas não são nada convenientes também.

Somos taxados de radicais, extremistas ou simplesmente malucos. Especialmente se ao invés de comermos quietinhos nosso pratinho de “mato” (e eu não como “mato”) explicamos porque acabamos de recusar a carne oferecida. Esfregamos na cara de todo mundo, com toda a liberdade a que temos direito, que escolhemos fazer o que achamos certo e que, sim, achamos que os outros estão errados. Podemos até não verbalizar (o que pode ser algumas vezes bastante ofensivo e nossa intenção real não costuma ser ofender ninguém) e às vezes nem ter essa intenção, mas que é exatamente isso que fazemos todos os dias é (acreditem, já ouvi isso da boca de uma pessoa que come carne, após uma ceia de Natal). E poucas coisas são um maior exercício de liberdade do que isso – um exercício de liberdade que talvez te transforme num pequeno show de horrores que todo mundo quer ver, mas ninguém quer ser e dificilmente quer entender.

Ninguém quer escutar – e não apenas ouvir – nossos argumentos, mas facilmente viramos o centro da discussão (iniciada por outros, você só recusou a carne e falou a terrível palavra “vegetariano”).

Há alguns meses, em uma discussão online, eu acabei rabiscando algumas frases pra demonstrar minha indignação com a postura de algumas pessoas. São as seguintes:

“Viva a liberdade de expressão, desde que ela não me force a pensar.
Viva o livre pensamento, desde que ele não coloque contra a parede minhas idéias pré formadas.
Viva a consciência e solidariedade, desde que eu não tenha que mudar nada (ou quase nada) da vida que eu já conheço.
Viva a ação, desde que não mexa com meu comodismo.
Viva a verdade, desde que ela não vá contra meus interesses.”

Se você perguntar a qualquer pessoa se ela é favorável a essas idéias, pouquíssimas vão admitir. Mas é exatamente o que a maioria faz.

Filmes que mostram o abate são taxados de sensacionalistas, proteção animal é colocada como atividade de pessoas sem o que fazer ou – maldade sexista – de mulheres mal amadas, canis mantidos por ONGs ou voluntário são despejados porque incomodam os vizinhos, a festa vegetariana que você promoveu rendeu meia dúzia de comentários maldosos (embora você não tenha visto ninguém passando fome) e a verdade é distorcida e minimizada pra caber dentro da “verdade conveniente” de cada um e a consciência sobre algum assunto não leva à ação porque isso é “um exagero”.

Mas ao se expor uma idéia da qual é partidário, verbalmente, não existe coação. Ao se tomar uma decisão pessoal como o vegetarianismo também não existe coação. E, portanto nesse cenário existe toda a liberdade do mundo. Mas mesmo assim nós incomodamos.

O que me leva a um segundo problema: talvez a estranheza humana com a liberdade choque tanto quando falamos em libertação animal. Afinal, como é que podemos admitir que um animal que “sempre” dependeu do ser humano possa de repente ficar solto por aí? O boi no rodeio não é “tratado como um atleta” e tem mais atenção que muita gente? O elefante e o macaco no circo não ganha amendoins e tem a chance de ser uma estrela? E os filhotes vendidos em Pet Shops, não são “tratados como filhos”?

Invariavelmente vamos ouvir esse tipo de pensamento (que é parcial ou irreal), que levam em conta uma psicologia humana, interesses humanos e poucas vezes o problema animal. Mas se eu começar a falar sobre o problema em defender também a liberdade de não-humanos, eu não termino esse artigo.

Há tempos eu defendo que vegetarianismo, por qualquer motivação, é pautado em dois pilares: informação (que está disponível, basta procurar) e liberdade de escolha. E o começo de tudo é isso.

Começando do começo, por hoje fico por aqui.

Até a próxima!

Renata Octaviani

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