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Monitorando os pássaros e protegendo as galinhas


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Por Renata Octaviani

No final de outubro assisti a uma reportagem sobre o monitoramento de aves migratórias. Se não me engano, no Jornal Nacional mesmo.

À primeira vista, qual o problema? Nenhum, não é mesmo? Um bando de pesquisadores muitíssimo preocupados com essas aves, fazendo estudos sobre pássaros que nesse período migram para o Rio Grande do Sul.

Mas olhando atentamente e levantando a cortina das melhores intenções, começamos a ver que não é bem assim (mesmo que isso não seja consciente).

Começa pelo método utilizado. Pois bem, de todas as formas de se estudar uma ave e seus hábitos, qual o problema da observação pura e simples (que pode demorar muito tempo mas traz, sim, resultados), análise de dejetos deixados no chão, em folhas, e estudo anatômico de animais que morreram por causas naturais, etc? Provavelmente, o que mais pesa é a demora.

Pesquisas hoje em dia são muito além de mero exercício de curiosidade ou vontade de ajudar a humanidade, os animais ou o que seja. Normalmente elas têm uma finalidade econômica e, como qualquer atividade econômica, ela deve garantir algum tipo de lucro no menor tempo possível.

Assim, a imagem de pássaros capturados em redes, momentaneamente apriosionados e estressados, submetidos a retirada de sangue, coleta de material oral e da cloaca, medidos, pesados e marcados com anilha para depois serem soltos não me agradou, pra ser bem honesta. Existem métodos piores? Sem dúvida, e como o objetivo dessa pesquisa é manter os animais vivos, ao menos tive esse consolo. Momentâneo, quando comecei a pensar sobre todas as conseqüências possíveis e sobre a real necessidade dessa pesquisa.

O que mais me incomodou foi saber a motivação da mesma: verificar se essas aves não carregam o vírus da temida e com ares de apocalíptica gripe aviária (além de uma pesquisa sobre Febre do Nilo Ocidental).

Não pude deixar de imaginar, se o resultado for positivo, o que será feito? A “amostra 1238689”, pertencente ao animal “A. sp. 1238689” acusa o vírus. Essa ave está marcada com uma anilha e, portanto, pode ser identificada em qualquer local do mundo, precisando pra isso de uma simples base de dados e acesso a internet. Será que essa ave, de repente, se torna a inimiga pública número um, procurada viva ou morta? Ok, um pouco “teoria da conspiração” demais.

Será que o IBAMA vai liberar a caça dos animais em toda a rota migratória evitando assim a superpopulação e diminuindo o risco de contato dos animais doentes com as galinhas?

Será que alguém não vai surgir com a idéia de colocar os animais em quarentena para devolvermos ao meio ambiente somente os indivíduos saudáveis?

Colocaremos redes no caminho e impediremos sua passagem?

Será que não tentaremos modificar de alguma maneira a rota migratória (e isso já ocorreu acidentalmente em cidades como Campinas, por exemplo) para manter as aves longe das granjas?

Tudo isso parece muito preocupante e alguma dessas preocupações até nos seduzem como legítimas, não?

Só que, vamos pensar de novo: o problema são os pássaros mesmo ou são “as galinhas”? Quem está no caminho de quem?

Galinhas são animais, merecem todo o meu respeito, mas criações de galinhas são uma das maiores perversões a que já tive acesso. Seja para carne, seja para ovos. Galinhas não são galinhas, acreditem nisso, são máquinas de produzir ovos ou carne. Galinhas que não produzem são descartadas (e descartadas quer dizer incineradas, compostadas, qualquer coisa assim). Galinhas e frangos doentes não são tratados, são descartados (antibióticos são tomados como “prevenção” porque o ambiente é por si propício a doenças). Pintinhos doentes ou fora do padrão são descartados. Descartados porque esse animal TEM que dar um lucro previsto e manter qualquer custo de ração, espaço, manejo ou medicamento fora do previsto é pura e simplesmente desperdício e prejuízo.

Não acredita? Se houver a contaminação de plantéis (não são “galinhas”, são um coletivo comercial), veremos uma força tarefa de veterinários dessas granjas tentando salvar esses animais ou os animais são separados, mortos, incinerados, computa-se o prejuízo e reinicia-se a criação o mais rápido possível?

Se tivermos uma epidemia de gripe aviária aqui, qual é o fator que está sendo considerado nessa pesquisa? A vida dessas galinhas (que são descartadas como lixo a qualquer problema que apareça) ou o grande prejuízo que as granjas podem vir a sofrer pra evitar um problema de saúde pública? Pergunta retórica, nem preciso responder.

Então, ao invés de questionarmos antes de tudo o comer frango/ovos, as granjas ou os milhares de animais amontoados em condições que acabam com seu sistema imunológico, nós resolvemos capturar pássaros silvestres, testá-los, marcá-los para depois surgir com alguma solução mirabolante.

Será que é REALMENTE difícil que a humanidade perceba que não precisa comer ovo, não precisa comer frango, não precisa se sujeitar e sujeitar esses animais ao risco de doenças diversas causadas principalmente pela maneira como são mantidos?

Ah (já imagino os ecos), mas “vocês são radicais e estão interferindo no meu direito de escolha”. Que direito de escolha, cara pálida? O direito de não saber e continuar comendo animais porque isso te agrada e é mais conveniente? E que interferência é essa, a de eu defender minhas próprias idéias dentro de um debate livre dentro de um site específico para isso? Esses dois casos não são escolha e muito menos interferência.

Existe na internet um texto chamado “A Fábula dos Porcos Assados“. Não tem nada a ver com vegetarianismo, tem a ver com mudar sistemas e como esses sistemas se tornam cada vez mais e mais complicados, dificultando modificá-los; por mais que isso seja lógico, bom e necessário.

Não comer ovos ou galinhas e acabar com esse tipo de criação (ou mesmo criações que em tese permitem o “bem estar animal” e geram todo tipo de distorção) é lógico, bom e necessário. Mas haja barulho ao mexer num sistema tão complicado que hoje em dia alcança até mesmo aves migratórias e seus estudiosos.

Vegetarianismo quebra esse sistema, resolve uma série de problemas, mas deixa bastante gente com a necessidade de procurar uma nova atividade. Por mais que isso seja planejável pra que ninguém saia prejudicado, muito pelo contrário.

Ora, dificilmente a revolução virá da produção. E mexer nos elos da cadeia é bastante complicado, até porque elos podem ser substituídos. Assim, essa revolução deve surgir do final da cadeia produtiva (consumo) questionando em cheio a relevância da produção como um todo.

Então, sempre que forem analisar criticamente alguma coisa, pensem de novo sobre onde afinal começa o problema e se isso está sendo ou não trabalhado.

Até a próxima!

Renata Octaviani

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