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Por que animais têm direitos?


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Por Bruno Müller

Há uma tendência comum no ativismo pelos animais em deixar de lado o conhecimento, a teoria, a filosofia por trás dos nossos objetivos. Este é um equívoco imenso.

Não basta amor pelos animais ou a convicção do dever de respeitá-los. Nem todas as pessoas com quem conversamos estão imbuídas dos mesmos princípios. Nosso desafio é convencer uma pessoa que não se importa com animais, ou nunca se questionou se devemos respeitá-los, ou acredita no respeito, mas não compreende que esse respeito implica que não se deve matá-los, comê-los, usá-los.

Para isso, precisamos estar munidos de todos os argumentos lógicos e racionais capazes de demonstrar nossa hipótese, não apenas de bons sentimentos que, por serem pessoais e intransferíveis, são virtualmente inúteis na hora de conquistar adeptos da causa animal. Outro problema dessa abordagem é que, por ela tratar apenas do sentimento e não da razão, faz com que nossos adversários nos aproximem do pensamento religioso e, conseqüentemente, nos acusem de fanatismo e irracionalidade.

O sentimento é fundamental, pois gera empatia. Se fôssemos apenas racionais, faríamos qualquer atrocidade que nos trouxesse benefícios importantes e duradouros, especialmente se pudéssemos sair impunes. Mas só o sentimento não é capaz de levar as pessoas a refletirem e, portanto, mudarem de opinião. Por isso são importantes a razão e a argumentação.

Passada esta introdução, quero abordar uma questão fundadora: POR QUE ANIMAIS TÊM DIREITOS?

Essa questão é comumente tratada sem o devido cuidado pelos defensores dos direitos animais, mesmo aqueles que se esforçam em buscar a filosofia por trás dos direitos animais. Eu mesmo, por muito tempo, não dava a devida atenção a esse tema fundamental na hora de dialogar com onívoros. Isso acontece muito em função de uma dificuldade de comunicação. É muito comum que as pessoas tomem por senso comum aquilo que elas conhecem, acreditam e tomam (em suas mentes) como óbvio.

Como se o que fosse óbvio, para elas, fosse conhecimento de domínio público – o que freqüentemente não é verdade. As bases do pensamento que advogamos, como defensores dos direitos animais, nem sempre estão claras aos demais. Para nós, é muitas vezes enfadonho voltar ao debate sobre por que animais têm direitos. Mas, infelizmente, este pensamento não é senso comum. Por isso, precisamos todos recorrer a ele sempre que necessário, e ao mesmo tempo buscar os fundamentos das idéias que defendemos.

POR QUE ANIMAIS NÃO TÊM DIREITOS?

Para começarmos a falar de por que animais têm direitos, sugiro começarmos pelo caminho contrário: os pensamentos por trás daqueles que defendem que animais não têm direitos. Nessa discussão vejo duas linhas de raciocínio básicas: uma do direito, outra da biologia. Então vamos a cada uma delas.

1. A objeção do direito

Na filosofia do direito, existe uma abordagem contratualista – conservadora – que afirma que só têm direitos aqueles indivíduos que também têm deveres. Os direitos e deveres são firmados por meio de um contrato – logo, só tem direitos quem for capaz de firmar contratos. Direito, nessa concepção, é um benefício que o indivíduo obtém em troca de um compromisso, pelo qual ele está obrigado a oferecer, em troca, algum outro benefício, através do qual se garante, assim, o convívio harmonioso e pacífico e, em última instância, a sobrevivência e prosperidade de toda a sociedade. Essa teoria contratualista do direito está toda fundada na filosofia de Thomas Hobbes e sua obra O Leviatã, de 1652.

Aparentemente muito lógica, essa filosofia hobbesiana tem dois problemas muito básicos. O primeiro deles, de ordem ética e moral, é que, longe de garantir direitos, ela exclui grande parte dos indivíduos humanos da comunidade de direitos. Entre indivíduos que não podem assinar contratos e não podem, portanto, contrair obrigações, podemos incluir: recém-nascidos, crianças, comatosos, pessoas com certos tipos de enfermidade e problemas de ordem neurológica. Subscrever o contratualismo hobbesiano é, portanto, um convite à barbárie – e isso já fora descoberto há muito tempo, e por outro contratualista: John Locke, no Segundo Tratado sobre o Governo, de 1690, afirmava que o estado de natureza (a ausência de governo) era melhor que o Estado absolutista defendido por Hobbes. Por que, então, ainda há quem subscreva essa tese esdrúxula?

O segundo problema é de ordem prática. Felizmente, na maioria das sociedades, e para a maioria dos indivíduos humanos, não é mais isso que ocorre na prática. O direito avançou bastante para incluir todos os cidadãos de um determinado país na sua carta de direitos. Todos os indivíduos descritos no parágrafo acima contam, hoje, com direitos para preservar seus interesses básicos, assegurados na constituição de seus países. São, na linguagem do direito, direitos fundamentais, direitos naturais, ou direitos inerentes.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, subscrita pela grande maioria dos Estados, não faz distinção de nenhum tipo entre seres humanos, e afirma textualmente que os direitos humanos são universais, imprescritíveis, intransferíveis. Os estrangeiros, no entanto, especialmente imigrantes, nem sempre têm seus direitos humanos respeitados, como podemos constatar pelos debates dentro da União Européia. Isso se deve a questões políticas e ao alcance das leis nacionais, que por definição excluem os estrangeiros. Mas também nesse terreno tem havido avanços significativos na produção de um direito cosmopolita, que não reconhece barreiras nacionais, como se vê pela prisão do ditador chileno Augusto Pinochet, na Grã-Bretanha, a pedido de um juiz espanhol, em 1998.

Podemos concluir, portanto, que nem todo direito é um benefício obtido em troca de uma obrigação. Alguns direitos – os direitos fundamentais – são DIREITOS INERENTES, ou seja, garantias que devem ser respeitadas, independente de obrigações anteriores ou posteriores, única e exclusivamente em função das característas próprias – inerentes – do portador desses direitos. Qual o fundamento desses direitos fundamentais? É o que veremos na próxima seção.

2. A objeção da biologia

A objeção da biologia, como veremos, logo se confunde com a objeção do direito. Seu patrono é o filósofo francês René Descartes (1596-1650), e se funda basicamente em dois argumentos: animais são seres autômatos, desprovidos de sensações e sentimentos; e animais são desprovidos de razão e linguagem que lhes possibilite elaborar conceitos e exprimir desejos. Como só seres humanos são portadores dessas características, apenas eles são portadores de direitos, pois apenas para eles a vida, a liberdade e a integridade física e psíquica são um bem precioso. Animais não têm interesse particular em continuar vivendo, nem em serem protegidos do sofrimento físico (pois, na verdade, segundo Descartes, eles mal são capazes de sentir) nem em serem livres (pois não têm um “conceito” de liberdade).

As objeções de ordem biológica também têm dois problemas primordiais. O primeiro é que, como vimos anteriormente, não são apenas os seres humanos dotados de pleno domínio da razão e da linguagem – aqueles que são conhecidos como “seres humanos paradigmáticos” – que são portadores de direitos. Recém-nascidos não são capazes de articular uma única frase, e seus pensamentos e desejos nos são um completo mistério – exceto, talvez, para suas mães. Crianças não têm suas faculdades de raciocínio e linguagem plenamente desenvolvidas, razão pela qual, aliás, elas não podem votar, por exemplo. Pessoas em coma ou portadoras de problemas neurológicos – temporários ou permanentes – têm essas mesmas limitações. Todos eles, porém, têm direitos fundamentais que devem ser respeitados.

O segundo problema da tese cartesiana é que ela é pura e simplesmente falsa. Hoje em dia, nenhuma pessoa com algum conhecimento ou experiência pode, seriamente, alegar que animais são autômatos desprovidos da capacidade de sentir dor. Aqui também, as críticas não tardaram muito a aparecer. O filósofo iluminista François-Marie Voltaire (1694-1778), já no século XVIII, ridicularizou a tese cartesiana. Disse ele: “Responda-me, mecanicista: organizou a natureza todas as fontes do sentimeno nesse animal com o propósito de que ele nada possa sentir? Tem ele nervos a fim de que se torne incapaz de sofrer?” O nosso conhecimento atual sobre os animais evoluiu tanto que sequer podemos seriamente discordar que eles são dotados de raciocínio, de linguagem – muitas delas extremamente complexas, como no caso de baleias e elefantes -, de sentimentos, e que eles têm desejos e, portanto, interesse em ser livres – do contrário eles não buscariam conscientemente evitar situações dolorosas e não perseguiriam situações que foram fonte de prazer no passado.

Por que então, se não por pura hipocrisia, exigir-se-ia dos animais, para serem portadores de direitos fundamentais, critérios e pré-requisitos que não são exigidos dos seres humanos? Trata-se de uma diferença de tratamento irracional – eles, que gostam tanto de apresentar-se como guardiães da razão -, sem fundamento, e baseada, portanto, unicamente no preconceito. Preconceito contra as espécies diferentes da nossa, que, conforme definido por Richard Ryder em 1975, hoje conhecemos como ESPECISMO.

POR QUE ANIMAIS TÊM DIREITOS?

Qual é, então, o critério lógico e racional para atribuir direitos fundamentais a um indivíduo? Por que sua vida, sua liberdade e sua integridade devem ser respeitadas? Na verdade, a pista para a resposta já foi dada anteriormente. Devemos proteger aqueles seres que prezam suas vidas, para quem a perda da liberdade é um dano irreparável – pois a liberdade é condição para garantir a busca autônoma pela sobrevivência – e para quem o comprometimento da integridade física ou psíquica representa, além do risco de perder a vida, um sofrimento inestimável. Em outras palavras, têm direitos fundamentais aqueles indivíduos que são seres SENCIENTES – seres capazes de sentir dor e prazer.

Disso resulta ser completamente injustificável, do ponto de vista da ética,  reduzir estes seres à condição de propriedade, o que os tornaria vulneráveis ao arbítrio de um outro ser, comprometendo, de uma vez só, todos esses direitos fundamentais. Por isso a escravidão humana é proibida, e por isso a escravidão animal também deveria sê-lo.

SENCIÊNCIA é um mecanismo de defesa típico do mundo animal, que serve como um alerta para situações potencialmente nocivas à vida do indivíduo. Ao desencadear-se o mecanismo da dor, o indivíduo protege-se, afasta-se da fonte da dor, para preservar sua vida. Este ato é muitas vezes instintivo – mesmo num ser humano. Ao retirar a mão do fogo, por exemplo, o ser humano reage antes de seu cérebro interpretar o estímulo racionalmente. Se nos fosse necessário compreender o que é fogo antes de instintivamente nos protegermos dele, estaríamos arriscando nossa vida.

Por outro lado, tampouco nos animais não-humanos a resposta ao perigo é meramente instintiva. A capacidade de interpretar é fundamental. Pensemos em gazelas, búfalos, zebras e outros animais que são presas de animais carnívoros: eles precisam interpretar os sinais da aproximação do predador – cheiros, sons, imagens – antes de estarem diante dos mesmos, caso contrário estariam em séria desvantagem; da mesma forma os predadores precisam interpretar cheiros, sons, imagens para localizar as presas e aproximarem-se sem ser notados.

Se pensarmos nas plantas, entenderemos que elas não são dotadas de senciência. Seria inútil, até cruel, para um ser que vive fixado à terra, sentir dor. Os animais, por outro lado, são sencientes justamente porque sua capacidade de locomover-se faz com que precisem de mecanismos para buscar e obter seus meios de sobreviência, e fugir das ameaças à sua vida.

A decorrência lógica do conceito de senciência é, portanto, que todo ser senciente tem interesse na vida; e na liberdade e integridade física e psíquica sem as quais sua vida, se não estiver encerrada, será uma vida limitada, e portanto fonte de sofrimento. De que adianta a um ser senciente viver enjaulado, incapaz de expressar livremente seus instintos e perseguir seus interesses? Pergunte isso a ser humano e você entenderá – o mesmo acontece com os animais não-humanos; prisioneiros, reduzidos a propriedades dos seres humanos, eles não podem ser eles mesmos, portanto têm uma vida pela metade.

Para concluir, que fique claro que os direitos que preconizamos para os animais não-humanos são aqueles que têm alguma razão de ser para eles. Não queremos que animais não-humanos tenham direito ao voto, ou à educação, pois estes não fariam nenhum sentido para eles. Os direitos fundamentais que queremos estender para todos os animais foram aqueles consagrados como os direitos humanos de primeira geração – os direitos à vida, à liberdade e à integridade física e psíquica. Nós defendemos que esses direitos não são exclusivamente humanos. São DIREITOS ANIMAIS. E esses direitos são eminentemente negativos. Isto quer dizer que, por serem referentes a interesses básicos, resultantes da própria manifestação da natureza do indivíduo – pois, em tese, todos nascem livres e só sobrevivem se estiverem física e psiquicamente íntegros – tudo que precisamos fazer para garanti-los é não interferir na vida e na liberdade do animal não-humanos.

Idealmente, a única obrigação positiva que temos com eles é preservar a natureza, mantê-la sã, para que eles, como nós, tenham os meios para buscar sua sobrevivência, exercer de modo efetivo sua liberdade. Para que os animais não-humanos sejam individualmente livres, entretanto, não precisamos, a rigor, fazer nada por eles; precisamos apenas DEIXAR DE FAZER: deixar de usá-los como objetos e propriedade, deixar de explorá-los, deixar de criá-los artificialmente, deixar de caçá-los, deixar de usarmos os subprodutos da sua exploração. O que implica, no mundo de hoje, algumas ações positivas: lutar por mudanças, despertar consciências, promover o respeito aos direitos animais e, principalmente, sermos VEGANOS.

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