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Diálogos III


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por Renata Octaviani Martins
– Hora do almoço, vem comer!
– Oba!
– O que tem hoje?
– Bife à milanesa, filha.
– Que delícia! Mãe, como é que você faz?
– Ah, olha aí, vai ser uma futura cozinheira! A gente compra a carne no açougue, tempera e cozinha. Pra fazer do jeitinho que você gosta a mamãe escolhe um bonito filé com o seo Joaquim do Açougue, que só tem carne de primeira! Daí chego em casa e dou mais uma limpadinha pra tirar uns nervos mais durinhos e umas gordurinhas. Daí a mamãe tempera com sal, alho, cebola, fatia na altura certinha, empana no ovo e na farinha, coloca um pouquinho de óleo na frigideira e deixa no ponto que você gosta.  E, como você ainda não usa os talheres, corto bem pra ficar fácil pra você comer.
– Porque você me ama, né mamãe?
– Isso mesmo, filha, e tem que comer carne pra ficar forte. Tem que tomar leite de manhã também pros ossos ficarem fortes, e comer um ovo às vezes pra não ficar anêmico.

Um tempo depois…
– Mamãe, o Pedro me disse na escola que a carne é um bicho morto e por isso ele não come!
– Ai, meu Deus, fica longe desse Pedro!
– Por que, mãe? Ele é meu amigo!
– Ai, ele só fala besteira. Aquela mãe dele também.
– Mas a mãe dele é minha professora de ciências, mãe!
– Pois é, vou falar com o diretor. Capaz dela desviar as crianças do bom caminho.
– Mas é verdade, mãe?
– O quê? Que carne é um bicho morto?
– Isso.
– Claro que é verdade, mas não é bem assim. Bicho só serve pra isso, filha, pra comer. É a lei da selva.
– Mãe, a gente mora na selva?
– Claro que não!  Mas se você não comer carne vai ficar doente.
– O Pedro não fica mais doente que eu,  mamãe.
– Deve ficar, esse pessoal que não come carne nunca é normal.
– Você conhece muita gente que não come carne?
– Claro que não! E eu lá me envolvo com esse pessoal metido a hippie? Quando eles andavam com a mesma roupa era mais fácil identificar e não se misturar… Mas não pode ser normal quem não come carne, pronto, isso é besteira. Tem uns que vêm falando até que carne é cadáver, imagina… O que você está fazendo?
– Lendo o dicionário. Cad… Cada… Cadáver!  Cadáver não é corpo morto?
– É, mas carne é carne, frango é frango, peixe é peixe. Esse pessoal come peixe e não chama de cadáver.
– Mãe, ele não come peixe. Ele me disse que os vegetarianos de verdade não comem nenhum tipo de animal!
– Mas esse pessoal é muito radical! Nem um peixinho, uma carne branca; peixe é saudável!
– Bom, ele parece saudável… Ah, mãe, ele não come nem carne, nem ovo, nem leite.
– E ovo e leite lá são animais?
– Não, mas ele disse que os animais são tratados como coisas; mas os animais têm sentimentos, famílias e um monte de coisas que a gente prefere nem olhar.
– Animal não serve pra nada, filho, só pra fornecer comida! É assim desde sempre. Eles nem existiriam se nós não cuidássemos deles.
– Mas e os macacos?
– Que tem os macacos? Eles são animais selvagens, daí temos que preservar por causa dessa coisa toda de ecologia. Eles têm um papel lá no ambiente deles.
– Ninguém cuida dos macacos na selva.
– Mas as vacas precisam de cuidado, pronto. Já me disseram que se não tirar o leite da vaca ela fica doente.
– E se o bezerro mamasse? Não resolveria?
– Que bezerro, menina?
– O filho da vaca, mãe. O Pedro disse que as vacas só dão leite porque são – como era mesmo a palavra? Ah, é – emprenhadas todo ano. E todo ano tiram o bezerro dela, ele queria dar de mamar pra ele mas a gente vai lá e pega o leite e até vai separando as vacas pra só ter as que dão leite demais. E quando elas não podem mais ter filhotes e não dão mais leite, são mortas também.
– Mas elas têm esse papel: elas são comidas e elas dão leite e é pra isso que elas servem. Menino do céu, olha as bobagens que você anda pensando! O fazendeiro comprou as vacas, elas são dele, ele faz o que quiser com elas.
– Por que a gente não toma leite de gente?
– Leite de gente é só pra bebês! Você mesma, eu dava de mamar pra você quando era bebezinha. Mas nenhum adulto precisa de leite materno, meu bem!
– E precisa de leite de vaca? Mas não é pros bebês dela?
– Mas tem cálcio, então a gente toma.
– E os ovos?
– Ah, esse eu sei que eles estão errados! Galinha bota ovo de qualquer jeito.
– Mas ele disse que o problema não é só o ovo.
– Que pessoal complicado! Qual é o problema, então?
– O problema é que as galinhas não são máquinas de botar ovos, são animais, então a gente não tem direito de tratar esse bichos assim.
– Assim como? Eles têm tudo do bom e do melhor! Imagina só, todo dia receber ração e nem precisar de mexer pra isso.
– Pelo que ele me falou, elas não escolhem o que vão comer, mal se mexem, se ficam doentes são mortas porque é mais barato. Ou se param de botar.
– E você acha que o produtor tem que ter prejuízo?
– Ele não pode fazer outra coisa?
– Menina, é a profissão dele, só isso.
– Mas, mãe, eu não sei se a vaca, o porco,  a galinha, o peixe e outros bichos que nós comemos são diferentes do cachorro.
– Na China comem cachorro, é uma coisa cultural. Mas é um pessoal bárbaro, sabe, não são como nós! A gente nem come umas partes horrorosas dos bichos, meu filho: pé, cabeça, estômago, pulmão, isso daí só gente muito pobre é que come.  Eles não têm escolha, sabe? Ou um pessoal com um estômago de ferro e um gosto bem estranho. Mas é comida também.
– Arroz, feijão, tomate e banana todo mundo come igual, não?
– Come, e o que tem?
– Nada, não… Mãe, acho que eu quero ser vegetariana.
– Filha, a mamãe não sabe o que dar pra você comer e não tem tempo pra aprender essas coisas. E você gosta do bifinho da mamãe, não gosta?
– Gosto, mas eu não sei se isso é certo.
– Você tá dizendo que a mamãe, o papai, o vovó, a vovó, nossos amigos, todo mundo está errado?
– Não sei se todo mundo sabe disso, mãe…
-Não somos nem nós que matamos! E se você parar de comer outras pessoas vão continuar comendo, vai ser sempre assim. Não adianta nada.
– Mas, será que com o tempo… ?
– Filha, ninguém tem tempo pra esse tipo de coisa. Imagina só Natal sem peru, haha, essa é boa! Fora que eu já disse, você vai ficar fraca, já li nas Revistas. Olha, até o doutor Paulo, seu pediatra, é contra isso. Ele já é médico há 40 anos! Além disso, você não vai poder comer mais nada, não vai ter mais lanche do Méqui, nugget, cachorro quente, nada assim! Comida vegetariana é só salada, você nem gosta de salada!
– Mas o Pedro…
– Chega desse Pedro! Você está proibida de falar com esse moleque! E hoje tem bife e batata frita! Você adora! Come um pouquinho, você vai ver que continua bom como sempre e você nem vai lembrar desse monte de bobagens.
– Mas… Tá bom… A mães sempre estão certas. Amanhã eu bato no Pedro, ele só fala bobagem.

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