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Vegetarianismo é moda? Comentários sobre a reportagem da Época.


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Em 28 de Novembro de 2008 a Revista Época publicou artigo intitulado “A moda do vegetarianismo e seus riscos”.

Não foi uma matéria apronfundada sobre o assunto, mas em poucos parágrafos o jornalista e o endocrinologista consultado cometeram uma série de equívocos.

A primeira injustiça foi comparar vegetarianismo com “moda”. O fato de estar em evidência não transforma um assunto necessariamente em moda (e o sentido do termo, aqui, é perjorativo, como uma mania passageira). Vegetarianismo é verdadeiramente uma escolha alimentar, podendo também ser um estilo de vida e uma escolha filosófica.

Infelizmente, no Brasil – em descompasso com o resto do mundo – vegetarianismo e veganismo são tratados como “dietas de emagrecimento” (e um vegetariano sem restrição calórica não emagrece) ou mera “moda” por nossos Conselhos Regionais de Nutrição ou Medicina (que se recusam a emitir pareceres sobre o assunto), quando na verdade derivam de anos e anos de tradição na história da humanidade (imemorável no Oriente, remontando a Pitágoras no Ocidente)  e diversos estudos sobre o assunto.

Já o veganismo existe organizadamente desde 1944 (embora já existissem vegetarianos que recusassem ovos e leite na alimentação, apenas não eram destacados do grupo), sendo que o fundador da British Vegan Society, Donald Watson, morreu recentemente aos 95 anos, em ótimo estado físico e mental, após 65 anos de veganismo (e não se trata de um clube fechado com seguidores e muito menos hierarquia).

Se o assunto está cada vez mais em pauta, isso se deve ao esforço de seus adeptos em tirar das sombras o que antes era tido como uma escolha alimentar, pessoal e de foro íntimo. Fazemos essa escolha por uma série de razões e gostamos de discutí-las porque realmente acreditamos que nossas decisões influenciam no destino dos animais, do meio ambiente, da agricultura, do clima, da distribuição de alimentos, entre outros.

O segundo erro é, de fato, um conjunto:
a) a afirmação de que o veganismo não é adequado a crianças
b) que a falta de “proteína animal” poderia acarretar algum problema no desenvolvimento das mesmas.
c) que crianças veganas demandam um acompanhamento alimentar mais direto do que o acompanhamento de crianças em geral
d) que a suplementação de B12 é um problema (assunto polêmico ante evidências em contrário, mas cientificamente assume-se que é necessário nas dietas veganas)
e) uma incorreta afirmação de que a soja é o substituto por excelência da carne, e mesmo assim incompleta.

A ADA (Associação Americana de Dietética, em conjunto com Nutrólogos do Canadá) elaborou em 2003 documento afirmando que sem dúvida alguma que dietas veganas bem planejadas (como qualquer dieta equilibrada deveria ser) são adequadas a qualquer fase da vida, com qualquer nível de atividade física. Isso inclui toda a infância e adolescência, gravidez, lactação, velhice e também atletas de alta performance.

Tal documento também afirma que, ante as evidentes vantagens para a saúde humana, os profissionais de nutrição têm a responsabilidade de apoiar e encorajar todos os que manifestem o desejo em adotar esse tipo de dieta. Entre os benefícios (que constam no documento pormenorizadamente): a redução do  índice de obesidade, menor incidência de doenças cardiovasculares, menor incidência de osteoporose, menor incidência de doenças renais, menor incidência de demência, artrite reumatóide, etc.

O contéudo desse relatório, em inglês, assim como seu complemento, podem ser consultados nos links abaixo:
*http://www.eatright.org/ada/files/veg.pdf ]http://www.eatright.org/ada/files/veg.pdf
*http://www.dietitians.ca/news/downloads/Vegetarian_Food_Guide_for_NA.pdf

Ainda, indico a leitura do livro “Alimentação sem Carne” do médico nutrólogo brasileiro Eric Slywitch e, sendo um profissional da área, verificação da vasta bibliografia que o acompanha. O livro fala com propriedade sobre macro e micro nutrientes na Dieta Vegetariana, ajudando no planejamento do cardápio e dando segurança a seus adeptos. Do mesmo autor, aliás, temos o texto publicado na Revista Diálogo Médico, falando especificamente sobre pediatria e vegetarianismo: http://www.alimentacaosemcarne.com.br/inf-ncia/vegetarianismo-em-pediatria.html

Por fim, em consulta ao USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, responsável pela elaboração da pirâmide alimentar contida em www.mypyramid.gov), encontramos diversas referências ao VRG (Vegetarian Ressource Group).

Trata-se de uma entidade sem fins lucrativos dedicada ao estudo nutricional do vegetarianismo e veganismo, reunindo e também produzindo material sobre o assunto. Recomendo fortemente as seguintes páginas (também em inglês): http://www.vrg.org/nutrition/ , http://www.vrg.org/family/kidsindex.htm e http://www.vrg.org/family/index.htm

Num mundo em que grávidas em geral tomam suplemento de ácido fólico, crianças em geral suplementam ferro e cálcio, farinhas são adicionadas de ferro, sal é adicionado de iodo, laticínios têm que ser enriquecidos com vitamina D, comida industrializada infantil é adicionada de vitaminas ao invés de se incentivar hábitos saudáveis e pessoas em geral tomam polivitamínicos porque não têm confiança na sua própria alimentação (muitas vezes sem indicação médica e até gerando graves desequilíbrios), a indicação de suplementação de vitamina B12 dentro de um cardápio vegano planejado não deveria ser visto jamais como um problema e sim como uma indicação direcionada dentro de uma dieta que como um todo traz muito mais vantagens (seja em termos de direitos animais, seja ambientais, seja pelos benefícios à saúde). Suplementação que pode ser feita anualmente, por injeção intramuscular, ou diariamente com a inclusão de alimentos enriquecidos (cereais matinais, por exemplo). Aliás, a origem de todo suplemento sintético de vitamina B12 é microbiana e não animal.

No mais, questiono fortemente a afirmada necessidade de “proteínas de origem animal”, já que as necessidades proteicas em qualquer idade se atingem com a adequação de calorias e um mínimo de variedade vegetal. Adotando-se o PDCAAs (Protein Digestibility Corrected Amino Acid score, índice atualmente recomendado pela FAO/OMS, inclusive em substituição ao antigo “valor biológico”) verifica-se que a combinação de leguminosas (ou oleaginosas) e cereais integrais continua sendo uma ótima alternativa para ingestão de proteínas, assim como o grão de bico, o feijão branco, etc. Obtendo-se todos os aminoácidos essenciais a partir dos vegetais, não há porque se falar em “proteína animal” como uma necessidade. E um mínimo de variedade vegetal, alcançando-se a necessidade calórica diária, supre a necessidade de proteína diária, estando essa questão ultrapassada há muito tempo.

O comentário sobre a soja, por exemplo, está correto na conclusão (não se deve simplesmente substituir um pelo outro, até porque a soja não precisa ser incluída em uma dieta vegetariana/vegana se não se desejar), mas completamente equivocado na premissa (isso acontece pela questão dos micronutrientes, não das proteínas; além disso, deve-se realmente evitar o excesso de soja, e dentre os derivados há melhores e piores opções).

Quanto a cuidar dos detalhes da alimentação infantil, qualquer criança com orientação pediátrica deveria ter esse cuidado observado pelos pais. Comendo carne ou não. Porque crianças criadas a base de fast food, bolachas, frituras, “petit suisse” e outros produtos lotados de gordura, açúcar, corantes e conservantes certamente terão deficiências sérias também (com o risco de serem obesas com a chamada “fome oculta”/deficiência marginal), sem contar os recentes estudos relacionando corantes e conservantes largamente utilizados na indústria em distúrbios como a hiperatividade (vide http://www.medcenter.com/Medscape/content.aspx?menu_id=49&id=14168&langtype=1046).

A verdade é que pra se conseguir uma alimentação equilibrada, o cuidado – comendo carne ou não – é o mesmo. Infelizmente o que vemos nessa matéria, mais uma vez, é um parecer do vegetarianismo/veganismo baseado na pirâmide alimentar tradicional e não em suas características próprias, incluindo toda a variedade de cereais, leguminosas, oleaginosas, sementes, frutas, tubérculos, legumes, verduras, algas, cogumelos e especiarias, além de óleos e açúcares com moderação e qualidade selecionadas.

A matéria, da maneira como editada, certamente afasta indevidamente novos adeptos e desencoraja mães e pais a incentivarem desde a tenra infância e adolescência esse ótimo hábito alimentar.

Aos leitores desse site, tirem suas conclusões não apenas com base no argumento de autoridade de um único endocrinologista, mas em uma série de estudos sobre o assunto (muitos indicados aqui mesmo).

Abraços a todos e até a próxima.

Renata Octaviani Martins

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