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Esta carta não é para Luis Felipe Pondé


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Não pretendíamos voltar ao polêmico texto publicado na Folha de S. Paulo por Luis Felipe Pondé. Mas recebemos a carta abaixo da leitora Bianca Pozzi, de Londrina-PR, e achamos que vale mais este contraponto.

Por Bianca Pozzi | Se você leu o texto que ele publicou na Folha de S. Paulo no dia 16/09/2013 – A ética das baratas (leia aqui) – e aplaudiu, também não é para você.

Confesso que foi difícil ler até o final, dada a quantidade de bobagens, mas fiquei pensando nas pessoas que  nutrem algum respeito pelos animais, e leram aquelas palavras. Pessoas que sentem que algo está errado, que gostariam de mudar, mas que acabam deixando para lá, na correria do dia a dia. São textos como aquele que nos fazem empurrar ainda mais para longe esta questão tão urgente e tão difícil, que é refletir sobre como tratamos os animais em nossa sociedade. Textos preconceituosos, ignorantes, que nos retratam como hippies, radicais, fanáticos. E aí, você que está em cima do muro, sente que essa dúvida, essa pequena voz lá no fundo que diz que algo no modo como tratamos os animais deve estar errado, lê uma opinião tão equivocada e pensa: ”é verdade, eu que devo estar ficando louco de querer me juntar a essas pessoas”.

Se você de alguma forma se enquadra no parágrafo acima, esse texto é para você. Por favor, não deixe de considerar adotar atitudes, mesmo que pequenas, que façam a diferença para os animais. Só no Brasil, somos 17.5 milhões de vegetarianos¹ , procurando fazer a diferença. Pondé não sabe, mas tenho certeza que você sabe a diferença entre plantas e animais. Que plantas não tem sistema nervoso, e por isso não sentem dor. Que 7kg de plantas são necessários para produzir 1kg de carne, ou seja, quem quer consumir menos plantas deve comê-las diretamente e poupar essas plantas que servirão de alimento intermediário.2 Não preciso falar nada disso, certo?

Pondé não sabe que depois de Peter Singer, vieram muitos outros filósofos  trazendo novas visões sobre os direitos dos animais, para além da abordagem utilitarista. Temos Tom Reagan e Gary Francione. Temos Sônia T. Felipe no Brasil, e muitos outros. Não somos devotos de Singer, ao contrário de Pondé, não paramos de estudar a questão em um livro publicado em 1975. Muita coisa aconteceu depois disso, e nós acompanhamos.

Também não acho que preciso explicar quem são os vegetarianos, os veganos, os defensores dos animais.  Creio que é bastante óbvio que não achamos que todos os animais deveriam ser nossos bichos de estimação. Não queremos acariciá-los e trazê-los para nossas casas. Queremos apenas uma coisa: que eles sejam tratados com respeito. Parece simples, mas em uma sociedade na qual é normal comer, vestir, usar e descartar vidas como se fossem coisas, é bastante complicado.  Mas qual o problema, se na natureza o mais forte sobrevive, e a morte faz parte do ciclo?  Há aqui uma questão muito importante: não somos contra a morte. Não vamos morrer doentes para não matar as bactérias.  Sabemos que ela faz parte da vida. Somos contra a morte desnecessária. Somos contra o sofrimento desnecessário. Qual a diferença? Um tigre não tem escolha, ele precisa caçar e matar para sobreviver. O homem também não tinha. Hoje tem, salvo alguns  lugares remotos do mundo. Um tigre não comete os requintes de crueldade que o homem comete contra os animais  em nome do lucro e da ganância, privando-os de seus instintos mais básicos de andar, sentir a natureza, estar próximo dos seus, comer, dormir. Não suficiente, o homem criou métodos para aumentar a “produção” e o lucro, aprimorando “técnicas” como a debicagem, a castração sem anestesia, os hormônios, as mortes mal calculadas, lentas, doloridas e aterrorizantes. Como alguém pode comparar isto ao fato de um tigre caçar na natureza a sua presa? Talvez possamos pensar que já que somos mais evoluídos intelectualmente, teríamos este direito . Em uma palestra, o ex fuzileiro americano e fundador de uma Ong anti-caça na África Demian Mander afirma: quanto mais indefesa a vítima, mais hediondo é o crime. Se nós somos os seres supostamente com maiores capacidades intelectuais, não deveríamos então protegê-los?

Pondé relata em sua  ignorância preconceituosa que “o mundo não sobreviveria a uma praga de pessoas que não usam sapato de couro”.  Ele não deve saber que o tratamento do couro é extremamente poluente, e o curtimento  geralmente é feito com Cromo III que ao oxidar-se torna-se cancerígeno, e junto com os corantes azoicos poluem as águas, inutilizam os solos, contaminando os animais, as plantas e a nós.3 Que muitas vezes as peles dos animais, incluindo bovinos, são retiradas com eles ainda vivos e conscientes.4 Pessoas que evitam apoiar esse tipo de indústria são uma ameaça ao mundo sim; ao mundo como o conhecemos: mesquinho, egoísta, arrogante. Vamos ameaçar um mundo que valoriza o conforto acima de tudo, que nos afasta cada vez mais da realidade, de nossa humanidade, criando vidas (humanas e não humanas) para serem consumidas e descartadas em nome do lucro, enquanto olhamos para o outro lado, na nossa abençoada ignorância. Um mundo que faz propaganda de vaquinhas felizes, enquanto morremos e matamos o nosso planeta simplesmente porque não conseguimos parar de consumir.  Um mundo em que 10 bilhões de animais são assassinados por ano5 (só nos Estados Unidos) apenas porque não questionamos nossos próprios hábitos e suas consequências. 10 bilhões de animais por ano, apenas em um país. Quem é mesmo o maior destruidor de vidas do planeta?

Pondé ignora, mas sei que não preciso explicar que defender animais não implica odiar pessoas. Não implica não sentir empatia por elas, apesar de que o contrário é provado cientificamente: aqueles que cometem crimes contra animais estão mais propensos a fazer o mesmo contra as pessoas6. Essa visão de que proteger animais implica em atacar/desprezar seres humanos é tão simplista, que só pode partir de uma mente em que o se importar com o outro é uma tarefa árdua e rara; definitivamente não o é para quem já se importa com os animais. Pondé ofende os defensores dos animais afirmando que “ou somos hippies velhos ou pessoas com problemas mentais”. Nos ofende gratuitamente, e  ainda acha que são os defensores de animais que não gostam de gente. Só consigo pensar que tem “problemas psicológicos” aquele que ofende os outros por nada. Ou pior: a troco de publicidade.

¹ http://www.vista-se.com.br/redesocial/ibope-175-milhoes-de-brasileiros-sao-vegetarianos/
2 http://www.vista-se.com.br/plantas/
3 IERVOLINO, F. Tecnologia têxtil e preservação: A matéria prima de origem animal na indústria da moda.  Florianópolis, 2007
4 JOY, M. Why we love dogs, eat pigs, and wear cows. Conari Press: San Francisco, 2010.
5 Idem
6 http://www.vista-se.com.br/redesocial/livro-maus-tratos-aos-animais-e-violencia-contra-as-pessoas-traz-pesquisa-inedita-no-pais/
 
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